Como se sabe, o Brasil não é o único país onde se fala e se escreve em português. Junto dele há Portugal, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Moçambique, Timor Leste, Macau, entre outros. Do ponto de vista ortográfico, há divergências entre todas essas nações e, devido a isso, foi criado em 1990 um acordo ortográfico para “unificar” o idioma de Camões.
A nova ortografia, que entrará em vigor a partir de 1º de janeiro de 2009 no Brasil, tem causado divergências entre escritores, lingüistas, educadores, políticos, enfim, entre todos aqueles que estudam, pesquisam, usam a língua a todo instante como ferramenta de trabalho, como hobby ou simplesmente para a comunicação. Não é para menos; mudar-se-á, ainda que seja de forma branda, o modo como devemos escrever; e toda a mudança causa um certo furor.
A favor da mudança há o argumento de que a língua portuguesa deve ser unificada, para que assim, possa ser difundida facilmente entre todos os países falantes desse idioma. Dessa forma, não seria necessária a impressão de dois exemplares distintos de um mesmo dicionário ou de um mesmo livro didático, por exemplo. O filólogo Antônio Houaiss explica que “a existência de duas grafias oficiais acarreta problemas na redação de documentos em tratados internacionais e na publicação de obras de interesse público”.
Hoje, todo documento que circula entre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) deve ser escrito em duas versões: uma usando o português de Portugal e outra valendo-se do português brasileiro. Com o acordo ortográfico que entrará em vigor, ficaria aberto o caminho para um entendimento entre Portugal e Brasil sobre a certificação comum de proficiência em língua portuguesa para estrangeiros, pois o Brasil emite hoje o certificado CELPE-Bras, enquanto que em Portugal o único diploma válido é o emitido pelo Instituto Camões.
No entanto, o argumento a favor da unificação, para facilitar a divulgação de material impresso entre todos os países falantes em português, deixa de ser válido se pensarmos em autores como José de Saramago, prêmio Nobel de Literatura. Todas as suas obras são publicadas no Brasil com a grafia lusitana e, mesmo assim, elas figuram, quase sempre, na lista dos 10 livros mais vendidos divulgada pelas editoras brasileiras.
Cabe a pergunta: a divergência de ortografia dificulta o entendimento? Parece que não. Alguns críticos afirmam que o acordo ortográfico tenta resolver um “não-problema”, uma vez que as variantes escritas da língua são perfeitamente compreensíveis por todos os leitores de todos os países da CPLP. Além disso, são argumentos contra: o desrespeito pela etimologia das palavras, uma vez que a reforma privilegiou mais critérios fonéticos (pronúncia) do que etimológicos (origem), e o processo dispendioso com a revisão e nova publicação de todas as obras escritas, como os materiais didáticos e dicionários que se tornarão obsoletos.
Deixando essas questões de lado, o fato é que a reforma vai ocorrer e todos nós temos de ficar atentos a ela, já que sabemos que para bem nos expressarmos é fundamental a utilização de todas as normas ortográficas vigentes. No entanto, vale lembrar que esta reforma abrange apenas a grafia das palavras e nada muda quanto a fonética, sintaxe e semântica.
A reforma ortográfica começará pelas escolas e, por isso, destacamos a importância do preparo e atualização dos docentes. Os alunos não podem acreditar, por exemplo, que a partir do próximo ano será um “vale tudo”, que não existirão mais acentos. Não é bem assim. A reforma facilitará, por um lado, com a eliminação do acento diferencial entre o para (preposição) e pára (3ª pessoa do singular no presente do indicativo). Mas, por outro lado, ainda existirá o acento diferencial que marca o plural do verbo ter na terceira pessoa do plural do presente do indicativo (Eles têm) em oposição ao singular (Ele tem). O importante é ficar claro, tanto para professores quanto para os estudantes, quais são essas modificações e como elas influenciarão nossa escrita no dia-a-dia. Desse modo, apresentamos a seguir uma breve explicação das principais mudanças que ocorrerão no português brasileiro.
I) Alfabeto
O alfabeto, que hoje tem 23 letras, passará a contar com 26, com a volta das letras k, w, y.
II) Acentuação
Acento agudo = não serão mais acentuadas as paroxítonas que tenham os ditongos abertos ei e oi. Assim, a palavra assembléia não terá mais acento, será assembleia. Pertencem a essa lista, palavras como idéia, geléia, Coréia, bóia, jibóia, Tróia, heróico, que deverão ser grafadas como ideia, geleia, Coreia, boia, jiboia, Troia, heroico.
Não receberão acento as palavras paroxítonas com i e u tônicos, quando formarem um hiato. Assim, baiúca e feiúra deixarão de ser acentuadas.
As formas verbais que possuem acento tônico na raiz, com o u tônico precedido de g ou q e seguido de e ou i deixarão de receber acento. Dessa forma, argúis e redargúis, serão arguis e redarguis.
Acento circunflexo = as paroxítonas terminadas em oo e em eem não serão mais acentudas. Assim, as formas vôo, abençôo, perdôo, vêem, dêem, crêem, lêem passarão a ser grafadas como voo, abençoo, perdoo, veem, deem, creem, leem.
Acento diferencial = o acento diferencial, hoje, é utilizado para distingüir palavras homófonas (que possuem o mesmo som). Essas palavras podem ter acento agudo ou circunflexo. Com o acordo, o acento das palavras homófonas deixará de existir. Assim, as seguintes palavras deverão ser escritas da mesma forma:
para (preposição) e pára (verbo, 3ª pessoa do presente do indicativo);
pélo (do verbo pelar) e pêlo (substantivo);
péla (do berbo pelar) e pela (preposição com artigo).
No entanto, o acento diferencial será mantido para a distinção de por (preposição) e pôr (verbo) e pôde (verbo conjugado no passado) e pode (verbo conjugado no presente).
III) Trema
O já conhecido e temido sinal gráfico de dois pontos usado em cima do u nos grupos que, qui, gue, gui será definitivamente suprimido. Dessa forma, palavras como agüentar, lingüiça, tranqüilo, freqüente, deverão ser todas grafadas sem o trema.
Contudo, o acordo prevê que o trema seja mantido em nomes próprios de origem estrangeira, como Bündchen.
IV) Hífen
O hífen deixará de existir em dois casos.
* Quando o prefixo terminar com vogal e o segundo elemento começar com r ou s, devendo-se estas consoantes duplicar-se. Dessa forma, palavras como anti-religioso e anti-semita deverão ser escritas como antirreligioso e antissemita.
* Quando o prefixo terminar com vogal e o segundo elemento começar com vogal. Dessa maneira, palavras como auto-estrada e extra-escolar passarão a ser grafadas como autoestrada e extraescolar.
Porém, o hífen permanece se a palvra for iniciada por h, como em anti-horário e mini-hotel ou se o prefixo terminar pela mesma letra que inicia a palavra a que ele se liga, por exemplo, anti-inflacionário e tele-educação.
V) Palavras de dupla grafia:
O acordo ortográfico prevê dupla grafia nas palavras proparoxítonas cuja vogal tônica admita mudança de timbre. Ou seja, o novo acordo leva em consideração a diferença de pronúncia em cada país. Assim, será aceita a dupla grafia de palavras como fenômeno e fenómeno, tênis e ténis, cantamos e cantámos, acadêmico e académico.
Ambas as grafias estarão corretas em todos os países da CPLP.
Toda reforma leva tempo. A última relizada aqui, a fim de aproximar nosso modo de escrever ao modo de Portugal, foi em 1971. No entanto, até hoje é possível encontrarmos pessoas que, por alguma distração, ainda escrevem o pronome pessoal do caso reto ele com o acento circunflexo, êle.
O Ministério da Educação prevê um prazo de 3 anos de adaptação, e durante este período os concursos, vestibulares e outras avaliações deverão aceitar as duas grafias como corretas. Mas por que não começar desde já a se adaptar? Vale um esforço. Então mãos à obra, ou melhor, à gramática!
*Raquel Marcondes Nogueira é professora de Português no Colégio Módulo. Com formação em Letras – Português/Linguística pela Universidade de São Paulo e mestrado em Filologia e Língua Portuguesa pela mesma Universidade.