No último dia 14 de outubro, a sociedade brasileira teve uma desagradável surpresa. O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n.º 213/07, que altera o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor na medida em que preceitua que a venda de bens ou a prestação de serviços efetuados por cartão de crédito poderão ter preços diferenciados em relação àqueles pagos à vista.
No anseio de atender aos reclamos dos lojistas, o projeto de lei transfere o ônus do contrato celebrado entre os comerciantes e as administradoras de cartão de crédito para o consumidor. Ora, quando o consumidor utiliza o cartão de crédito para a realização de uma compra, o pagamento se efetiva à vista, pois, pela própria natureza do ajuste celebrado com as financiadoras, os comerciantes receberão o valor da compra independentemente de eventual inadimplência do consumidor.
Com efeito, as taxas que as operadoras de cartão de crédito cobram dos comerciantes é exatamente a garantia de recebimento em caso de inadimplência.
Vale destacar que o projeto de lei, pela forma como foi concebido, tenta configurar o preço pago em dinheiro à vista e o cartão de crédito a prazo. Posição extremamente equivocada, em razão da própria natureza jurídica do contrato atípico de venda e compra por meio de cartão de crédito, que é em sua essência à vista. Impor tal diferenciação caracteriza prática abusiva em detrimento do próprio consumidor, o que desnatura o próprio sistema jurídico do Diploma Consumerista.
O consumidor não é sócio do estabelecimento comercial para suportar os ônus que as operadoras de cartão de crédito impõem ao comerciante. Esta prática também ofende o princípio da boa-fé que deve permear todas as relações consumeristas. Além disso, o projeto de lei desborda por completo da tendência ao estímulo do uso do chamado dinheiro de plástico, pois fere o princípio da isonomia dos meios de pagamento, bem como ignora uma velha conhecida mazela social brasileira – a violência -, pois não é seguro portar altas somas de dinheiro.
Outro dado curioso é que a diferenciação proposta pelo referido projeto de lei prejudica e onera a própria operação do estabelecimento comercial, em virtude de formação de preços desprovidos de transparência e sem qualquer racionalidade. Gera, ainda, uma dificuldade de logística e administração de diferentes preços.
É importante salientar que o próprio Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Direito Econômico, já se posicionou, na Nota Técnica n.º 02/2004, pela abusividade da diferenciação de preços cobrados por cartão de crédito.
Espera-se que os legisladores tenham bom senso e o necessário equilíbrio para que esse projeto de lei não obtenha aprovação final, pois, como demonstrado, esta proposta ofende os basilares princípios da boa-fé e da vedação às práticas abusivas do próprio Código de Defesa do Consumidor. Perde o consumidor que se vê obrigado a pagar mais caro ao usar o cartão de crédito e, perde o próprio mercado em razão da ausência da livre negociação de preços e da quebra da isonomia dos meios de pagamento.
* Rafael Augusto Paes de Almeida, advogado especializado em Direito Civil e nas Relações de Consumo, sócio de Rubens Naves, Santos Jr. Hesketh Escritórios Associados de Advocacia – [email protected]